Escritor que se diz autor de mais de 30 livros é investigado por fraude e outros delitos
O caso do jovem prodígio que com apenas 31 anos de idade afirmava ser Desembargador de Justiça, escritor e que mantinha um currículo com atributos de fazer inveja, teve repercussão nacional em todos os canais de notícias. João Riél Manuel Hubner Nunes Vieira Telles de Oliveira Brito, que faz parte, inclusive, da Academia de Letras e Artes Sepeense, está sendo acusado de plágio, fraudes e outros delitos. O rapaz passou a fazer parte da academia local em 19 de maio de 2017, em solenidade no plenário da Câmara de Vereadores. O caso das suspeitas de fraude foi noticiado pela plataforma G1 de notícias e tomou repercussão nacional, devido ao vasto material duvidoso e aos inúmeros processos movidos contra ele, inclusive o uso de uma falsa carteira da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil). Acompanhe:
João Riél Manuel Hubner Nunes Vieira Telles de Oliveira Brito, de 31 anos, se reuniu com o vice-presidente Hamilton Mourão em 2019, mesmo sem possuir título da OAB. Homem se diz autor de mais de 30 livros.
Por Gustavo Foster, g1 RS
Sem qualquer registro de inscrição na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e com mais de 10 inquéritos por fraude e plágio em andamento na Polícia Civil do Rio Grande do Sul, João Riél Manoel Hibner Nunes Vieira Teles de Oliveira Brito, de 31 anos, foi recebido em setembro de 2019 pelo então vice-presidente da República Hamilton Mourão como “desembargador do Tribunal de Justiça do RS“, ao lado do futuro ministro do Supremo Tribunal Federal Kassio Nunes Marques. João nunca foi advogado, muito menos desembargador, segundo a investigação policial.
Ao g1, o vice-presidente afirmou que houve um erro no cadastramento da informação na agenda oficial. “Não lembro da agenda e, segundo minha equipe, houve um erro de lançamento na mesma, onde constou o mesmo como desembargador”, escreveu.
Esse é apenas um dos fatos, entre os mais inofensivos, que a polícia apura se são mentirosos no currículo de João Riél. Desde 2018, ele é investigado por ter entrado com pelo menos uma dezena de ações no Foro da Comarca de Arroio do Tigre, município de pouco mais de 13 mil habitantes a 250 km de Porto Alegre, sem ter registro como advogado e constando na OAB apenas como estagiário, em inscrição já expirada.
“Ele tem mais de 10 inquéritos que tramitam contra ele na delegacia por fraudes, além do inquérito por plágio. Essa história começou em 2018, quando o Ministério Público verificou uma ação em que ele figurava como advogado e alguém informou que ele não tinha OAB. No processo, ele declarava que tinha esquecido de fazer constar o ‘E’ de Estagiário no número utilizado nos processos”, conta a delegada Graciela Foresti Chagas, de Arroio do Tigre, onde ocorrem as investigações.
A investigação da Polícia Civil aponta que ele usaria o número suspenso da OAB de uma advogada que se tornou juíza para assinar as ações. O registro de João Riél na OAB consta como “estagiário” e está “cancelado”. Conforme o Estatuto da Advocacia, estabelecido por lei federal sancionada em 1994, estudantes de direito podem exercer a função desde que registrados e sob responsabilidade de um advogado.
Nos últimos anos, João se reuniu não só com Mourão, mas com diversos ministros do STF, políticos, reitores de universidade e com o presidente Jair Bolsonaro. O ex-estagiário ainda alega ser autor de mais de 30 livros de poesia ou sobre a história da cidade onde nasceu, Tunas, na Região Central, além de títulos sobre os princípios do Direito. Por pelo menos uma dessas publicações, ele é investigado pela Polícia Civil por plágio. Segundo a polícia, esse suposto plágio foi usado pelo ex-estagiário como trabalho de conclusão de curso de um também suposto curso de pós-doutorado que João diz ter feito na Itália.
“As investigações estão em curso, então os dados são sigilosos, mas posso dizer que há uma investigação de plágio bastante consistente, que descortinou que as obras publicadas por ele utilizam trechos de autores diversos. A investigação também mostra um incompatibilidade de datas e períodos para os cursos que ele diz ter feito. Ele diz ter cursado mestrado, doutorado e pós-doutorado em três anos”, conta o promotor de Justiça da comarca de Arroio do Tigre, Heráclito Neto.
As apurações dão conta de que há cópias em outros livros de João Riél.
Ao g1, João Riél Manuel Hubner Nunes Vieira Telles de Oliveira Brito diz que não está a par das investigações que correm contra ele na Polícia Civil. Sobre os mais de 30 livros, ele garante que todos são escritos por ele e nega as denúncias de plágio – “escrevi meu primeiro livro com 17 anos”, argumenta.
Em relação às investigações sobre o uso de um número falso da OAB, João diz que o “processo está arquivado e tem sentença procedente ao meu respeito”.
A delegada Graciela diz que o inquérito foi concluído com indiciamento e remetido ao Poder Judiciário, mas teve seu andamento na Justiça atrasado durante a pandemia, e a acusação por fraude prescreveu.
O título de desembargador que consta na agenda do vice-presidente Mourão é “um erro”, segundo o ex-estagiário. Segundo ele, a repercussão sobre o tema aconteceu por conta da série de publicações feitas na rede social por um “advogado iniciante”.
“O rapaz eu não sei quem é, mas vou acioná-lo judicialmente. Ele tentou denegrir minha imagem. Não sei por que veio à tona agora”, diz João.
Quantos segundos tem uma hora?
O caso de João Riél ganhou repercussão após uma publicação nas redes sociais que passou das 21 mil curtidas e tem mais de 2 mil replicações. Na “thread”, o autor Francisco Campis diz que a história de João é “digna de filme”.
Soma-se às investigações policiais o fato de ele ter participado do quadro “Quem quer ser um milionário”, do Caldeirão do Huck, em 2019, quando levou para casa um prêmio de R$ 15 mil após errar perguntas consideradas simples (quantos segundos tem uma hora e qual é a figura mitológica que é meio mulher e meio peixe, por exemplo), e de ser figura recorrente na imprensa gaúcha – com artigos publicados em um jornal e um quadro na televisão.
De acordo com o promotor de Justiça Heráclito Neto, João usava a inscrição falsa na OAB para entrar com ações pedindo benefícios previdenciários para moradores de Tunas, município com menos de 5 mil moradores. Por isso, foi denunciado por fraude e falsidade ideológica, mas foi absolvido por falta de provas.
Desde 2018, no entanto, João Riél vem acumulando supostos feitos que, caso sejam verdade, seriam impressionantes para alguém de 31 anos: em seu site, ele diz ser “membro vitalício de várias Academias de Letras”, pesquisador de genealogia, representante do RS na Associação Brasileira das Forças Internacionais de Paz da ONU, Honoris Causa em Letras no Rio de Janeiro, além de pós-doutor em Direito e autor de “mais de 30 livros próprios e coautor em mais de 200 antologias”.
Fotos: Arquivo A Fonte e Redes Sociais